O sentido cristão do sofrimento

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Não é fácil falar sobre o sofrimento. Não gostamos de sofrer e nem mesmo de falar ou pensar sobre ele. O medo ou a rejeição ao sofrimento é algo tão profundamente enraizado na natureza humana que sofremos com a perspectiva de vir a sofrer.
A experiência do sofrimento é vivida, em grande parte, na interioridade - a dor e o sofrimento são enfrentados de modo muito pessoal, conforme vivemos as experiências que nos são próprias. Muitas vezes as palavras são pobres para expressarmos o peso de certos sofrimentos. É por isso que não raro ouvimos frases como: “ninguém entende o que eu estou sentido”. Assim devemos ter sempre o máximo respeito para com a pessoa que sofre para que não sejamos superficiais na “diagnose” ou julgamento da sua dor.
Apesar de não ser fácil e nem mesmo agradável falar sobre o sofrimento, não podemos negar que ele é uma realidade presente na vida humana - o sofrimento existe e dele não é possível escapar. É uma ideia fantasiosa e infantil pensar que possamos viver sem nenhum sofrimento - como nos contos de fadas que terminam sempre com a frase: “...e viveram felizes para sempre”. No Evangelho Jesus não promete que seremos poupados dos sofrimentos, aliás, ao contrário, nos alerta: “no mundo tereis muitas aflições” (Jo 16, 33). Por isso mesmo, essa realidade deve ser assumida e vivida de forma madura e cristã e, sendo assim, é necessário dedicar alguma reflexão a essa realidade colocando de lado a natural rejeição ao sofrimento. Talvez isto possa ajudá-lo a lidar com as suas dores no momento presente ou no futuro.
A pessoa humana sofre por diversas razões e diversas formas. Podemos citar inúmeras causas como, por exemplo, as doenças ou as limitações físicas; as doenças ou limitações psíquico-emocionais (depressões, fobias, ansiedades, inseguranças, etc.) que fazem sofrer tanto ou, às vezes, mais do que as doenças físicas; podemos encontrar diversos sofrimentos causados por situações sociais (guerras, supressão da liberdade, perseguições, crises econômicas); podemos citar ainda as “dores“ do tipo moral-espiritual (perdas de entes queridos, rejeições, desrespeito, preconceitos, etc.). Enfim, poderíamos fazer uma longa lista dos sofrimentos que atingem o ser humano.
Os sofrimentos que vivenciamos são, ainda, de intensidades diversas. Podemos vivenciar pequenos sofrimentos diários ligados a fatos de pouco importância na nossa vida e que não deixam grandes consequências no nosso existir, mas também podemos passar por sofrimentos intensos que nos desestabilizam psíquica e espiritualmente, sofrimentos que podem nos levar a questionar a realidade da nossa existência, como o justo Jó no Antigo Testamento que em meio aos diversos sofrimentos físicos, psíquicos e morais chegou a dizer: “Que seja maldito o dia em que nasci, o momento em que fui concebido” (Jó 3,2).
Diante do sofrimento podemos ter diversas reações. Uma primeira e natural reação é a aversão ao sofrimento. Mesmo Cristo passou por este processo humano de repulsa à dor: “Pai afasta de mim este cálice”(cf Jo 26,41). Existem outras diversas reações diante da dor, entre elas há aquelas que não são humanamente sadias, como o “sentimento de culpa” ou atitude de “autopunição”, isto é, a justificação do sofrimento como sendo consequência dos erros que a pessoa cometeu. Não é raro encontrar pessoas que veem na doença ou na dor uma espécie de punição por causa das suas culpas. Outras reações não saudáveis em relação ao sofrimento são o desespero e a dramatização. No desespero a pessoa humana não consegue ver saída e nem mesmo uma possibilidade de vida devido aos seus limites. E na tendência, atualmente muito forte, de dramatização do sofrimento, por sua vez, aparece o exagero na percepção da dor e da sua intensidade.
Certamente o sofrimento intenso sempre nos conduzirá a um inevitável questionamento. Na Carta Apostólica Salvifici Doloris o Papa João Paulo II escreve: “No fundo de cada sofrimento experimentado pelo homem, como também na base de todo o mundo dos sofrimentos, aparece inevitavelmente a pergunta: porquê? É uma pergunta acerca da causa, da razão e também acerca da finalidade (para quê?); trata-se sempre, afinal, de uma pergunta acerca do sentido” (SD 09). Contudo para esta pergunta talvez não encontremos nesta terra nenhuma resposta suficientemente acabada. Porque o sofrimento se encontra na ordem do mistério humano, para o qual não poderemos dar uma resposta plena enquanto caminhamos neste mundo.
Quero indicar aqui algumas atitudes humanamente maduras e cristãs de como lidar com o sofrimento, quando este nos bate à porta. Não se trata de “receitas”, mas podem ajudar aquele que sofre a viver o próprio sofrimento de uma forma mais madura e serena.
Uma primeira atitude, ou mesmo — obrigação, de uma pessoa que sofre é a busca da superação ou alívio do seu sofrimento, quando isto for possível. Isso significa que se alguém está doente (física, psíquica ou espiritualmente) deve buscar os meios oferecidos pelas ciências humanas ou pela fé para a superação da sua dor. A busca da superação ou alívio da dor é, por assim dizer, um “dever” moral. Naturalmente que a busca da superação do sofrimento deve ser feito também dentro das formas moralmente aceitáveis, do contrário caminhamos na direção da desumanização pessoal e social.
Contudo, há muitos casos nos quais a superação do sofrimento é impossível ou limitada. Como, por exemplo, no caso de uma doença incurável, ou da perda de uma pessoa amada — entre tantos outros casos nos quais não se é possível chegar ao completo ou suficiente alívio do sofrimento. Nestes casos devemos nos esforçar para conviver e aceitar essa dor de forma madura e sadia, aprendendo a direcioná-la. Nesse caminho um passo fundamental será aprender a dar sentido ou significado ao sofrimento.
Não se trata de fingir que não se sofre. Dar sentido ao sofrimento significa compreender o peso da nossa própria dor, mas, ao mesmo tempo, não se deixar esmagar por ela. Se não é possível viver sem experimentar algum sofrimento, é possível escolher a forma como o vivenciamos. Somos capazes de assumir de forma humana e madura os sofrimentos, temos condições de passar por eles e de enfrentá-los em pé. Por mais intenso que ele seja, não podemos permitir que o sofrimento nos afaste daquilo que consideramos verdadeiro e bom. Ainda que o sofrimento nos imponha um limite, a vida humana nunca é totalmente limitada, prova-nos isto aqueles que experimentaram grandes limites e sofrimentos e mesmo assim não deixaram de viver e fazer o bem que lhes era possível. Esta decisão pode elevar a pessoa que assim decide viver até um nível de maturidade muito grande. Não é raro encontrar pessoas que, depois de uma experiência de dor e doença, se mostram mais maduras, serenas e equilibradas.
Na perspectiva cristã, portanto, um meio sublime para dar sentido ao sofrimento é aquele utilizado pelo Apóstolo Paulo, que considerava os seus sofrimentos como participação nos sofrimentos de Cristo. O Apóstolo muitas vezes considerava os seus limites, fraquezas e sofrimentos como dons de Deus que enriqueciam o seu ministério e o faziam participante da redenção trazida a nós por Cristo (Cf 2Cor 4, 8-14; Rom 12,1; Gl 2, 19-20; Cor 12,9...). Isso ele expressa de maneira muito bela na Carta aos Colossenses: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Col 1, 24). Assim vemos que Paulo assume os sofrimentos de forma ativa e os une aos sofrimentos de Cristo. Isto não faz com que esses sofrimentos sejam menos intensos. A dor de ser apedrejado ou de ter recebido as 39 chicotadas continua a mesma. Mas para ele esta dor tem um significado - neste caso um significado grandioso porque é união com o sofrer de Cristo, que pode conduzir, até mesmo a viver, a paradoxal “alegria do sofrer”, de que tantas vezes fala o apóstolo em suas cartas.
 


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