Jesus:
Filho, preciosa é a minha graça; não sofre mistura de coisas estranhas, nem de
consolações terrenas. Cumpre, pois, remover todos os impedimentos da graça, se
desejas que te seja infundida. Busca lugar retirado, gosta de viver só contigo,
e não procures conversa com os outros, mas a Deus dirige tua oração fervorosa,
para que te conserve na compunção de espírito e pureza da consciência. Avalia em
nada o mundo todo; antepõe o serviço de Deus a todas as coisas exteriores. Pois
não podes há um tempo tratar comigo e deleitar-te nas coisas transitórias.
Cumpre apartares-te dos conhecidos e amigos, e desprenderes teu coração de toda
consolação temporal. Assim exorta também instantemente o apóstolo São Pedro que
os fiéis cristãos vivam neste mundo como estrangeiros e peregrinos (1 Pdr
2,11).
Oh! Quanta confiança terá aquele moribundo que
não tem afeição a coisa alguma do mundo. Mas desprender assim o coração de tudo,
não o compreende o espírito ainda enfermo, bem como o homem carnal não conhece a
liberdade do homem interior. Entretanto, se quiser ser verdadeiramente
espiritual, cumpre-lhe renunciar aos estranhos como aos parentes e de ninguém
mais se guardar do que de si mesmo. Se te venceres perfeitamente a ti mesmo,
tudo o mais sujeitarás com facilidade. Pois a perfeita vitória é triunfar de si
mesmo. Porque aquele que se domina a tal ponto, que os sentidos obedeçam à razão
e a razão lhe obedeça em todas as coisas, este é realmente vencedor de si mesmo
e senhor do mundo.
Se aspiras a galgar estas alturas, cumpre-te
começar varonilmente e pôr o machado à raiz, para que arranque e cortes o
secreto e desordenado apego que tens a ti mesmo, e a todo bem particular e
sensível. Deste vício do amor excessivo e desordenado que o homem tem a si mesmo
provém quase tudo que radicalmente se há de vencer; vencido este e subjugado,
logo haverá grande paz e tranqüilidade estável. Mas já que poucos tratam de
morrer a si mesmos e desapegar-se de si, por isso ficam presos em si mesmos e
não se podem erguer em espírito acima de si. A quem, todavia, deseja livremente
seguir-me, cumpre-lhe mortificar todos os seus maus e desordenados afetos, e não
se prender, com amor apaixonado, a criatura alguma.
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