(Se o pecado venial é desta gravidade, qual não será a do pecado
mortal?)
Entre os hebreus usavam-se duas sortes de pesos e de balanças.
Havia o chamado peso do Santuário, que era verdadeiro e justo; e o chamado peso
público, que era falso e injusto.
Ora, com duas sortes de balanças se pesam
também os pecados dos homens. Se se pesam na balança pública do mundo, que é
mentirosa e falaz (Prov 11, 1), dir-se-á que o pecado mortal não é coisa de
valor, e que o venial, como leve que é, não tem nenhuma importância. Mas esse
modo de pensar já o lamentava Santo Antônio de Pádua em seu tempo (Dom. 4 post
Trin.).
Os Santos, porém, e as almas iluminadas pela fé, pesam o pecado
venial com a balança do Santuário, e por isso, o choravam e detestavam de morte.
Santa Catarina de Gênova quase morria ao considerar a gravidade do pecado
venial; e São Luís Gonzaga [em sua primeira confissão] caiu desfalecido aos pés
do confessor, depois de confessar suas levíssimas culpas. São João Crisóstomo
chegou a dizer que lhe parecia que se deviam evitar com mais cuidado os pecados
veniais que os mortais. E dá a razão: os pecados mortais por sua natureza
repelem [a alma justa]; porém, os veniais, por isso mesmo que são leves, não
amedrontam, e se cometem facilmente.
Meditemos, pois, sobre o pecado venial,
para nos enchermos de um grande temor de o cometer. Dividiremos a meditação em
três pontos: I. O que é o pecado venial; II. Os danos que causa à alma; III.
Como Deus o castiga. (...)
Ah! Meu Deus, meu divino Samaritano, eu, pelos
meus pecados veniais, me encontro ferido e despojado dos bens sobrenaturais, e
só me encontro com a vida da graça. Tende compaixão de mim, curai a minha alma
de tantos pecados veniais. Curai-me com o óleo das Vossas divinas inspirações, e
com o vinho do Vosso amor fortificai a minha vontade para me levantar, e começar
a viver uma vida mais fervorosa.
I. O que é o pecado
venial?
Verdadeiramente sábio é aquele que julga das coisas como elas
são. Ora, vejamos à luz da fé e da Teologia o que é o pecado venial. São Tomás diz que o pecado
mortal é uma desordem da alma, pela qual volta as costas a Deus, seu último fim,
para aderir à criatura. Para adquirir algum bem temporal, perde o princípio da
vida espiritual, que é a caridade do amor de Deus e a graça. Pelo pecado venial,
a alma adere a algum bem mundano, mas não de modo que renuncie ao seu último
fim, e sem perder o princípio vital da graça. Está enferma, mas não está
morta.
1. Suposto isto, discorramos. É certo que o pecado venial não
despreza a Deus como o mortal; todavia não faz de Deus a devida estima. Não se
opõe de todo à Vontade divina, mas opõe-se-lhe ao menos no modo, como diz S.
Tomás (1-2, q. 88, a. I). Desgosta a Deus, não observando perfeitamente os Seus
mandamentos.
E se é assim, como se pode chamar leve? Quem tal dissesse
proferiria uma blasfêmia, segundo afirma São Bernardo.
No pecado venial não
se há de considerar tanto a leve transgressão do divino preceito, quanto a
infinita majestade de Deus, que só se contenta com a perfeita observância dos
Seus mandamentos. São Jerônimo, escrevendo a Celância, diz: 'Não sei se podemos
chamar leve algum pecado que se comete com desprezo de Deus. E só é
prudentíssimo aquele que não considera só o que se manda, mas quem manda; nem
quão grande é a ordem, mas a dignidade do que ordena'.
2. Ajuntemos a
isto que, se o homem falta ao divino preceito em uma coisa pequena, por isso
mesmo comete uma falta indesculpável, porque poderia facilmente evitá-la.
Foi
maior a culpa de Adão por não obedecer a Deus em coisa tão leve, como era
privar-se de comer um fruto, ordem que tão facilmente podia cumprir. Naamam foi
censurado também por não cumprir uma lei tão fácil, que lhe impôs o profeta para
o curar da lepra, como era banhar-se sete vezes no Jordão. A culpa de Naamam
está em que, sendo-lhe imposta condição tão fácil para o curar da lepra, a não
quis aceitar por achá-la tão ligeira. Se lhe impusesse o profeta algum remédio
violento, certamente que o tomaria. O mesmo motivo tira toda escusa a quem
comete um pecado venial; pois, se para evitá-lo tivesse de suportar grande
fadiga e vencer uma grande repugnância, poderia haver alguma desculpa se não o
evitasse; mas para vencer-se numa coisa tão fácil, que desculpa pode
haver?
3. Além disto, devemos considerar o pecado venial em duas relações
importantes: em relação à pessoa ofendida, que é Deus; e em relação à pessoa
ofensora, que é o pecador.
Com relação à majestade da pessoa ofendida: quem
não sabe que, tratando-se de um alto personagem, ninguém tem por leve a menor
falta de respeito? Com freqüência lemos nas histórias como grandes príncipes
castigaram, com a pena de morte, as menores faltas de atenção e respeito dos
seus vassalos. E será o pecado venial uma coisa tão ligeira, ofendendo e
desgostando a infinita majestade de Deus? 'Nunca é leve desprezar a Deus numa
coisa pequenina', diz São Bernardo. A Lei de Deus se há de guardar como a menina
dos olhos, aos quais basta um argueiro para lhes causar uma grande dor.
Com
relação à qualidade da pessoa ofendida, que é Deus sob o título de Pai, que
filho haverá tão desleal e ingrato, que diga: 'A meu pai não quero tirar-lhe a
vida, nem feri-lo mortalmente. Isso não; mas quero desgostá-lo de manhã até à
noite, e magoá-lo nas mais pequenas coisas'. Que filho desnaturado seria este!
Pois outro tanto faz o pecador com Deus, seu Pai, pagando-Lhe os benefícios com
ingratidões, com desacatos, com indelicadezas. É semelhante aos judeus, que não
só crucificaram a Cristo, mas O flagelaram, coroaram de espinhos, e insultaram
com palavras sarcásticas e afrontosas. E parecerá a alguém coisa leve tanta
impiedade?
Com relação ao ofensor, quanto aumenta a malícia do pecado
venial o ser cometido por uma alma justa, que pela graça santificante é amiga de
Deus, filha adotiva e esposa do Espírito Santo? Quem não sabe que os desgostos e
ofensas que se recebem de um amigo, e muito mais de um filho ou de uma esposa,
são sempre muito mais sensíveis, que as ofensas recebidas de um estranho ou de
um inimigo?
O patriarca Jacó não acabava de se lamentar de que Ruben, seu
primogênito, e a quem amava como a pupila dos seus olhos, tivesse cometido em
sua própria casa um delito (Gn 49, 3). E o divino Salvador, na traição de Judas,
parece sentir menos a entrega a Seus inimigos, que a ingratidão de um discípulo,
de uma pessoa, por assim dizer, de Sua família, que por tantos títulos Lhe
estava obrigada. Do que se lamentou por boca do profeta Davi: Se meu inimigo me
atraiçoasse, eu o suportaria facilmente; mas, tu, meu discípulo e apóstolo?...
(Sl 54, 13).
Aqui é o lugar de refletir, como sendo eu tão amado de Deus,
de Quem estou recebendo continuamente tantos benefícios, ouso desgostá-lO com as
minhas infidelidades, com as minhas culpas, ligeiras sim, mas que ferem
profundamente o Seu amoroso Coração. A estas culpas e ingratidões chama o
Senhor, pelo profeta Zacarias, feridas profundíssimas que recebe dos que Lhe são
mais caros: ' -Que querem dizer estas feridas em meio de tuas mãos? -Delas fui
traspassado na casa daqueles que me amavam' (Zac 13, 6).
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